Como os fungos conseguem ser tão versáteis e proteger as lavouras contra diversas pragas

Bookmarked. View Bookmarked Content Add to bookmarks
Something went wrong. Please try again later...

Descubra como os fungos se tornam inseticidas biológicos versáteis, protegendo lavouras contra diversas pragas. Explore o controle biológico com eficácia.

Por: Adailson Feitoza de J. Santos
Prof. Dr. Universidade do Estado da Bahia – Campus VIII
Laboratório de Ecologia e Biotecnologia Microbiana do Semiárido

Atualmente, os inseticidas biológicos, em sua grande maioria, são formulados utilizando fungos como ingredientes ativos. Para o ano de 2022, foram registrados 46 inseticidas biológicos, e destes, aproximadamente 74% foram formulados com fungos como ingrediente ativo. 

Entre os fungos embarcados nesses produtos, merecem destaque as espécies Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae, que representam 47% e 50% dos produtos registrados apenas para 2022, respectivamente.

Estes fungos são classificados como fungos entomopatogênicos, ou seja, capazes de desenvolver infecções em insetos e levá-los à morte, e são registrados para o controle de uma grande diversidade de insetos-praga (alvos). Uma busca rápida no Agrofit (2023) releva esta diversidade contra os alvos:

- mosca-branca; moleque-da-bananeira; ácaro-rajado; bicudo-da-cana-de-açúcar; gorgulho-da-cana; cigarrinha-do-milho; cigarrinha-das-pastagens; percevejo-marrom;  percevejo-barriga-verde; lagarta-militar; psilídeo, entre outros.

Por que os fungos são tão importantes no controle de praga nas lavouras? 

Os fungos podem ser caracterizados como fungos leveduriformes e fungos filamentosos. B. bassiana e M. anisopliae são espécies de fungos filamentosos que, para sobreviver, precisam iniciar seu processo de nutrição fora do seu corpo, de forma extracelular. Neste processo, há a liberação de uma grande quantidade de moléculas (especialmente enzimas) que degradam o substrato, transformando-o em compostos mais simples, que são assimilados pelas suas hifas. Neste ponto, inicia-se o processo de nutrição intracelular. O composto mais simples é degradado para produção de energia.

É exatamente este mecanismo de nutrição extracelular que capacita os fungos como excelentes ferramentas biotecnológicas. 

Como Beauveria bassiana consegue atacar, colonizar e matar insetos-praga?

O ciclo da infecção é iniciado com a adesão de esporos assexuais (também chamados de conídios), dispersados pelo ar, chuva ou aplicação direta nas lavouras com produtos comerciais. Estes conídios aderem à cutícula do inseto-alvo, germinando e formando o tubo de germinação e então um apressório. A partir destas estruturas, é iniciada a penetração das camadas de cutícula pelo ataque de enzimas extracelulares (quitinases, lipases, proteases, etc.) e pressão mecânica até alcançar a hemolinfa. 

Uma vez na hemolinfa, os esporos sofrem uma diferenciação morfogenética em blastosporos para consumir nutrientes, colonizar os tecidos internos e escapar da resposta imune apoiada pela secreção de toxinas, acelerando a morte do inseto.

Uma vez que o inseto está morto, a cutícula é rompida novamente de dentro para fora para surgirem conídios que esporulam no corpo do inseto, o que pode iniciar a infecção em outros insetos, espalhando os esporos. 

Uma grande vantagem e o que garante a versatilidade de alvos é o fato de que os mecanismos apresentados não têm uma especificidade determinada para uma praga. Os mecanismos são mais generalistas e amplos.

Como utilizar os fungos para controle biológico de pragas e doenças

Porém, é importante considerar algumas condições para um processo de infecção eficiente. Uma delas está relacionada com a concentração dos esporos (dose). Em um teste contra larvas do bicho-da-seda, concentrações baixas de 1X105 esporos (conídios) mL-1 apresentam baixa eficiência na germinação dos esporos e reduzida produção de hifas. Já quando concentrações elevadas foram utilizadas 5X108 esporos (conídios) mL-1, foi verificada elevada quantidade de germinação de esporos e produção de micélio espesso já nas 24 e 36 horas após a aplicação. 

Para além da concentração, a cepa da espécie utilizada é fundamental para um produto biológico realmente eficiente. Em um trabalho avaliando seis cepas de B. bassiana Bb5, Bb6, Bb8, Bb12, Bb15 e Bb21 contra o ácaro Tetranychus truncatus, foi verificada uma grande variação na eficiência para a mortalidade do hospedeiro já após os três dias de aplicação, sendo as cepas mais eficientes Bb6, Bb12 e Bb15, com percentual de esporulação nos cadáveres de 85%, 84% e 88%, respectivamente. Essa variação entre a eficiência das cepas é fundamentada nos processos metabólicos de cada indivíduo. Ou seja, cada cepa de B. bassiana, bem como de outras espécies, irá produzir quantidades de metabólitos, incluindo enzimas como quitinases, lipases e proteases, em concentração e atividade diferenciada, gerando então cepas com características únicas e que podem potencializar um bioinseticida.

Em resumo, isso quer dizer que nem todo produto formulado com B. bassiana terá a mesma performance em campo, sendo diretamente dependente da cepa, da concentração e da formulação presente no produto.

Além da capacidade de controlar diversas pragas nas lavouras, B. bassiana tem uma grande vantagem devido ao fato da sua versatilidade em colonizar uma grande variedade de plantas, incluindo trigo, soja, arroz, feijão, cebola, tomate, uva, batata e algodão, de forma local ou sistêmica (raízes, caules, folhas). Esta habilidade pode representar uma ferramenta adicional para promoção direta de crescimento e proteção das lavouras.

O uso de microrganismos para controle de pragas e doenças não apenas reduz a dependência de defensivos químicos, mas também aumenta a sustentabilidade nos sistemas agrícolas.

A nova grande revolução do agro é micro!

Referências

Liu Y, Yang Y, Wang B. Entomopathogenic fungi Beauveria bassiana and Metarhizium anisopliae play roles of maize (Zea mays) growth promoter. Sci Rep. 2022 Sep 20;12(1):15706. doi: 10.1038/s41598-022-19899-7. Erratum in: Sci Rep. 2022 Nov 9;12(1):19059. PMID: 36127502; PMCID: PMC9489797.

Huang W, Tang R, Li S, Zhang Y, Chen R, Gong L, Wei X, Tang Y, Liu Q, Geng L, Pan G, Beerntsen BT, Ling E. Involvement of Epidermis Cell Proliferation in Defense Against Beauveria bassiana Infection. Front Immunol. 2021 Sep 16;12:741797. doi: 10.3389/fimmu.2021.741797. PMID: 34603328; PMCID: PMC8481689.

Chaithra M, Prameeladevi T, Prasad L, Kundu A, Bhagyasree SN, Subramanian S, Kamil D. "Metabolomic diversity of local strains of Beauveria bassiana (Balsamo) Vuillemin and their efficacy against the cassava mite, Tetranychus truncatus Ehara (Acari: Tetranychidae)". PLoS One. 2022 Nov 15;17(11):e0277124. doi: 10.1371/journal.pone.0277124. PMID: 36378665; PMCID: PMC9665378.

Ávila-Hernández JG, Carrillo-Inungaray ML, Cruz-Quiroz R, et al. Beauveria bassiana secondary metabolites: A review inside their production systems, biosynthesis, and bioactivities. Mex J Biotec. 2020, 5(4):1-33. doi:

https://doi.org/10.29267/mxjb.2020.5.4.1

Singh HB, Keswani C, Ray S, Yadav SK, Singh SP, Singh S, Sarma BK. Beauveria bassiana: Biocontrol Beyond Lepidopteran Pests. Biocontrol of Lepidopteran Pests. 2015 Jan 29;43:219–35. doi: 10.1007/978-3-319-14499-3_10. PMCID: PMC7123603.