A Fixação Biológica de Nitrogênio: um processo que vai além da nutrição via solo

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Descubra como a fixação biológica de nitrogênio vai além da nutrição do solo. Saiba como esse processo ocorre e seu papel no crescimento saudável das plantas. 

Por: Adailson Feitoza de J. Santos
Prof. Dr. Universidade do Estado da Bahia – Campus VIII
Laboratório de Ecologia e Biotecnologia Microbiana do Semiárido

O nitrogênio é um dos três principais macronutrientes (N-P-K) e desempenha papel fundamental para as plantas e todos os outros organismos vivos, uma vez que participa da composição de aminoácidos e proteínas, nucleotídeos e DNA/RNA, além de outras macromoléculas como hormônios e até a clorofila.

A atmosfera é um grande reservatório deste nutriente (N2), porém poucos organismos são capazes de realizar o processo de fixação biológica de nitrogênio (FBN) e utilizá-lo. Apenas os organismos chamados de diazotróficos têm esta capacidade. Os diazotróficos conseguem realizar a FBN (Fixação Biológica de Nitrogênio) devido à presença de uma enzima chamada de nitrogenase. A nitrogenase é responsável pela redução do nitrogênio atmosférico na forma inorgânica NH4+, que assim poderá ser absorvido pelas plantas e outros organismos, como as próprias bactérias.

Como ocorre a fixação biológica de nitrogênio pelas bactérias rhizobium

Quanto ao habitat, estas bactérias podem ser classificadas em simbióticas, de vida livre ou associativas. A relação mais conhecida é a relação simbiótica entre rizóbios e leguminosas. Nesta relação, há uma comunicação direta: a leguminosa recruta a bactéria por meio da liberação de moléculas como flavonoides, que ativam alguns mecanismos no rizóbio e estimulam a sua interação com o sistema radicular e o desenvolvimento dos nódulos, quando então acontece a fixação do N e a liberação para a planta, nas formas de aminoácidos como glutamina e glutamato. Esta interação possibilita, em alguns casos, o fornecimento de 100% da demanda do nutriente para a leguminosa. Esta é a interação que acontece, por exemplo, entre Bradyrhizobium japonicum ou B. elkanii e soja.

As bactérias de vida livre agrupam a maior parte dos microrganismos diazotróficos. Esse grupo de microrganismos, entre eles diversas espécies pertencentes aos gêneros Bacillus sp. e Azospirillum sp., fixam nitrogênio principalmente para atender suas próprias demandas metabólicas. Porém, de acordo com a dinâmica da transferência dos nutrientes, outros grupos de microrganismos e plantas são capazes de consumir os subprodutos deste processo, como amônia e/ou nitrato.

Embora eficiente, é uma interação que não consegue suprir a maior parte da demanda de N da cultura. Espécies pertencentes ao gênero Azospirillum contribuem, além do nitrogênio, com fitormônios como auxinas, giberelinas e citocininas, o que gera benefícios importantes para o desenvolvimento da cultura. O Azospirillum brasilense, por exemplo, recebe recomendação para uso principalmente em gramíneas.

Esses dois mecanismos de disponibilização de N, via solo, já são bem estabelecidos, com tecnologias já validadas, e representam atualmente a maior quantidade de bioinsumos, com função de fixar N, disponíveis no mercado.

Mas será que existe uma outra forma de fornecer N para as culturas a partir de processos biológicos e que não seja via solo?

Recentemente, os estudos têm focado também no grupo de diazotróficos classificados como associativos. Neste grupo se enquadram microrganismos rizosféricos e endofíticos presentes nas raízes e parte aérea. Os diazotróficos da rizosfera estão presentes em um ambiente rico em nutrientes, mas estão expostos também a um ambiente muito competitivo. Já os endofíticos ocupam nichos mais específicos e conseguem transferir o N fixado diretamente no interior das culturas.

Entre os microrganismos associativos endofíticos que podem representar uma forma adicional para potencializar a nutrição nitrogenada em diversas culturas de importância agrícola, está a espécie endofítica, recentemente classificada, Methylobacterium symbioticum.

A M. symbioticum é uma bactéria Gram-negativa, em forma de bastonete, aeróbica estrita, móvel com flagelo lateral, não formadora de endósporos e que apresenta colônias com pigmentação rosa devido à síntese de carotenoides. É capaz de crescer utilizando fontes que contêm apenas um carbono, como metanol ou metilamina.

Fixação biológica de nitrogênio por bactérias associadas a plantas

Esta bactéria, quando inoculada via foliar, tem a capacidade de colonizar a superfície das folhas e em seguida se deslocar ativamente até os estômatos e alcançar o interior do tecido foliar, tendo a capacidade de alcançar o xilema e assim colonizar diferentes tecidos acompanhando o desenvolvimento vegetal. Uma vez no interior da planta, a bactéria realiza o processo de fixação do nitrogênio atmosférico, convertendo-o em uma forma assimilável pela planta e distribuindo-o tanto para as folhas velhas como para as folhas jovens.

Algumas características da bactéria e da sua capacidade de interação com as culturas possibilita o desenvolvimento de uma ferramenta biológica eficiente para potencializar a adubação nitrogenada. Entre as características mais marcantes, podemos citar as que seguem.

1. Capacidade natural da bactéria em fixar nitrogênio atmosférico.

2. Habilidade de colonização da superfície foliar.

3. Capacidade de penetrar tecido vegetal e colonizar sistemicamente a cultura (após a aplicação foliar, a bactéria pode penetrar na cultura em até 1 hora).

4. Baixa especificidade de interação, permitindo sua utilização em diversas culturas.

5. Capacidade de permanência e manutenção do processo de FBN (Fixação Biológica de Nitrogênio) durante todo o ciclo da cultura.

6. Aplicação foliar reduz a problemática de competição com os microrganismos nativos do solo, bem como as possíveis incompatibilidades com químicos sintéticos no tratamento de sementes.

7. A colonização endofítica reduz as perdas de N causadas pela transformação do nutriente no sistema solo ou liberados na atmosfera.

Conclusão

Buscar novas espécies e/ou cepas de microrganismos para inovar no segmento de bioinsumos tem sido foco de diversas pesquisas. Embora já tenhamos um excelente portifólio à disposição do produtor, temos certeza de que os próximos anos serão marcados por mais inovação a partir de novos microrganismos e seus metabólitos, utilizados tanto para nutrição como para proteção das lavouras.

Fontes:

Microbiologia e Bioquímica do Solo (Moreira e Siqueira, 2006)

Microbiologia do Solo (Cardoso e Andreote, 2016)

Bactérias diazotróficas associativas: diversidade, ecologia e potencial de aplicações (Moreira et al., 2010).

Methylobacterium symbioticum sp. nov., a new species isolated from spores of Glomus iranicum var. tenuihypharum (Pascual et al., 2020).

Methylobacterium sp. nov. strain, compositions comprisint it, and its use as bio-stimulant and endophyte nitrogen-fixing bacterium (European Patent Application EP 3 747 267 A1).